Capítulo 5 - A Escritura Traiçoeira
Tradução: Gabrielfsn
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Tudo que ela queria era ser especial.
Sahara sabia que era uma pessoa má e covarde.
Ela era profundamente invejosa, excessivamente sarcástica, impulsiva e muito rápida em antipatizar com as pessoas.
A postura indiferente que ela mantinha na superfície era uma máscara para esconder o horror de sua verdadeira natureza. Sempre que ela via alguém excepcional, as chamas da inveja queimavam dentro dela, e ela se desprezava ainda mais por ser tão insignificante.
Ela se sentia como uma areia de ferro que foi soprada de uma pedra gigante por uma tempestade, afundando para o fundo de um rio para apodrecer e ficar preta. E ela se odiava tanto que mal conseguia suportar.
Por isso ela queria ser especial.
Para ser mais poderosa do que outras pessoas.
Se pelo menos ela fosse mais forte, certamente poderia ser gentil com os outros.
Ou assim ela pensava.
Sahara veio pela primeira vez ao monastério quando uma certa organização de tráfico humano foi destruída.
A batalha brutal entre Flare, a Executora, e o Diretor da Fourth. Quando o conflito que envolveu todas as nações do continente finalmente terminou, a organização que havia raptado Sahara foi derrubada tão rápida e descuidadamente quanto um pensamento.
Para Sahara, ser resgatada por Flare era uma lembrança muito especial. Na época, ela havia sido trancada em uma jaula para ser vendida como sacrifício para Conjurações de Pecado Original.
“Uma criança?”
Flare mal olhou para ela. Mas a mulher com cabelo curto, vermelho-escuro, cruzando lâminas com o inimigo usando apenas uma adaga, ficou gravada na memória de Sahara.
Ela era tão legal.
Sahara admirava a postura de Flare.
Ela sempre tinha um ar único sobre ela e nunca deixava os outros lhe influenciarem. Sahara queria tanto ser igual a ela.
Quando foi libertada, Sahar não tinha pra onde ir.
Ela foi originalmente vendida em cativeiro porque seus pais, que faziam parte da Plebe, estavam desesperadamente empobrecidos. Após ser libertada da organização de tráfico humano, Sahara acabou sendo trazida ao monasterio por causa de sua alta aptidão para Força Etérea.
Então para Sahara, ser trazida para aquele monastério claramente incomum foi na verdade um golpe de sorte.
Apesar de estar na terra santa da Faust, o monastério era isolado de tudo. A atmosfera era tão estritamente controlada, e o programa de educação tão rígido, que alguém poderia pensar que foi projetado especificamente para partir o coração das pequenas crianças.
Mas Sahara aceitou o treinamento severo que foi imposto a ela. Por conta da natureza bizarra do local, ela sentiu que talvez conseguisse se tornar alguém especial se treinasse aqui. Quando o estresse ficava tão intenso que ela sentia que iria destruir seu espírito, ela descontava em oponentes mais fracas. Havia algumas crianças no monastério que prometeram ajudar umas às outras a sobreviver, mas Sahara nunca hesitou em chutar nenhuma delas.
Ela iria ser igual a Flare, a mulher que a salvou.
Sahara conseguiu se dedicar ao treinamento porque tinha um objetivo claro e estava disposta a sacrificar qualquer coisa e qualquer um para alcançá-lo, até mesmo suas colegas aprendizes.
Ela aumentava suas notas por meio do treinamento e baixava as das demais. Enquanto se esforçava para se tornar uma sacerdotisa o mais rápido possível, usando quaisquer meios necessários, ela ouviu que Flare havia capturado o Diretor da Fourth e seria promovida a Mestra, e seria colocada no comando do monastério delas.
Esperança começou a preencher seu coração.
Flare era uma lenda viva entre as Executoras.
Ela também foi a pessoa que salvou Sahara da organização de tráfico humano, mesmo que indiretamente. Ela fantasiou que Flare poderia até ter um interesse pessoal nela como sucessora.
Mas isso não aconteceu.
Flare nunca nem deu as caras no monastério. Sahara ficou desapontada, mas concentrou todos seus esforços no treinamento mesmo assim.
Brasologia e materialogia exigiam memorização de passos complexos e uma ampla abrangência de conhecimento; manipulação de Força Etérea envolvia uma concentração mental delicada; treinamento físico enfatizava uma construção muscular objetiva e exaustão dolorosa.
Todas essas tarefas eram modestas, distantes da excepcionalidade gloriosa que Sahara almejava. Então, um dia, Mestra Flare trouxe uma garotinha de aparência vazia com cabelos castanhos ao monastério.
Ela era uma garota totalmente comum, apesar de ter um rosto levemente bonito. Sahara provavelmente não teria pensado duas vezes nela se não fosse pelo fato de que foi Flare que a trouxe para o monastério.
Desde sempre, Flare nunca se preocupou com o monastério, mas depois que a Mestra trouxe aquela menina de cabelos castanhos, ela ficou por perto e basicamente deu a ela instruções individuais ininterruptas.
A fúria ferveu dentro de Sahara.
Por que ela estava tão zangada? Ela não conseguia colocar em palavras, mas sempre que via a Mestra instruindo aquela menina de cabelos castanhos, sua irritação irracional aumentava.
Não havia nada de impressionante naquela menina. Suas habilidades de conjuração, seus níveis de Força Etérea e potencial físico eram todos inferiores aos de Sahara. No máximo, ela poderia ter uma compostura melhor que a de Sahara, mas apenas isso. Na verdade, sempre que Sahara a desafiava para uma disputa de treino individual, a outra menina nunca vencia uma vez sequer.
Suas habilidades eram medianas na melhor das hipóteses, porém ela chamou a atenção da Mestra Flare de alguma forma.
Enquanto Flare nunca notava Sahara.
Enquanto Sahara se debatia com sentimentos confusos de frustração, uma novata que chorava constantemente chegou. Julgando-a como um alvo fácil, Sahara reuniu suas colegas de classe e cercou a menina.
Ela pretendia fazer a menina chorar ainda mais como uma saída para seu estresse. Sahara não tinha dúvida de que ela seria um alvo fácil e fraco.
Em vez disso, a menina a socou no rosto e espancou todas as outras meninas, depois sentou sobre ela e a socou repetidamente.
Foi um contra-ataque altamente inesperado.
Com o rosto se contorcendo e com lágrimas, Sahara jurou nunca se aproximar da nova menina novamente. Após uma investigação, ela guardou o nome Momo na memória e cuidadosamente manteve distância.
Foi quando ela aprendeu que não se pode sempre dizer o quão perigoso alguém é pela aparência. Como a menina de cabelos castanhos também estava começando a superá-la no treinamento na época, Sahara se tornou cada vez mais desesperada em se concentrar em elevar suas próprias habilidades.
Certamente, a única razão pela qual ela corria o risco de perder para aquela menina de cabelos castanhos lenta e absorta, era porque a Mestra lhe dava treinamento pessoal. Então Sahara decidiu espiar em segredo o par enquanto treinavam juntas.
Ela viu quando a menina de cabelos castanhos recebeu lacinhos da Mestra.
Dois lacinhos vermelhos finos.
Nenhuma outra garota neste monastério recebeu um presente tão luxuoso antes. As chamas da inveja queimaram ainda mais intensamente.
Por que era sempre ela?
Sahara fervilhou com frustração, mas se fosse só isso, provavelmente teria se extinguido.
Porém, no dia seguinte, de tudo que ela poderia ter feito, ela os deu à Momo.
Mesmo que quem os recebeu foi a menina de cabelos castanhos, Sahara os viu nos cabelos da bebê chorona violenta. Ela queimou com uma quantidade inacreditável de fúria. Durante o horário de banho do grupo, ela até tentou roubar os laços.
Momo percebeu a presença de Sahara e prontamente a pegou, socou-a repetidamente até que ela mal pudesse se mover, e ainda arrancou suas roupas e as roubou.
Sahara chorou às escondidas, se perguntando por que ela tomaria suas roupas, mas decidiu que era melhor não fazer mais nada à ela.
“Todas vocês podem deixar esse monastério agora se quiserem.”
Algum tempo depois, Flare abruptamente anunciou que estava libertando as estudantes do monastério.
“Não as mataremos nem nada parecido. Mas aquelas que quiserem ficar serão transferidas para um monastério normal.”
Enquanto as outras crianças pareciam tranquilizadas e animadas com isso, Sahara foi indiferente. Ela pretendia permanecer neste monastério. Ela estava determinada a completar seu treinamento para se tornar especial, ao contrário das outras crianças.
“Vocês podem ter uma vida normal. Não é como se realmente soubessem de algo, afinal. Quanto mais de vocês forem salvas, maior será o fardo desta aqui.”
Até que ela viu a menina de cabelos castanhos em pé atrás da Mestra, que estava rindo vivamente.
Então, o sentimento de que ela poderia permanecer aqui e aprender a ser especial desapareceu de uma vez só.
Sua cabeça afundou em suas mãos, enquanto seu coração disparava com emoções tão enfurecidas que ela queria rasgar o peito.
Mestra Flare nunca olhava para mais ninguém, porém ela estava se dedicando a educar essa tola de cabelos castanhos, dando-lhe lacinhos como presente, e até dando ouvidos a seus pedidos obviamente estúpidos.
Essa menina era mesmo tão especial para merecer tudo aquilo?
As esperanças e adoração que ela sentiu quando Flare a resgatou foram estilhaçadas. Um sentimento semelhante à solidão começou a escoar dentro do coração de Sahara pelas pequenas fendas se formando nele.
Sahara decidiu deixar o monastério de Flare.
No dia em que ela reuniu suas coisas e se preparou para partir, ela investigou a menina de cabelos castanhos e soube pela primeira vez que seu nome era Menou. Em seguida, ela deu uma volta e falou mal dela para as outras, como uma espécie de presente de despedida.
“Ela pensa que estamos todas em dívida com ela agora? Ela deve estar planejando algo. Que garota esquisita. Ela é tão louca quanto a Mestra.”
Quando Momo descobriu que ela era fonte dessa difamação, ela espancou Sahara até que ela mal pudesse falar.
Sahara ainda e apenas rangeu os dentes e suportou, recusando pedir desculpas até o fim.
Quando ela deixou o monastério, ela olhou para trás somente uma vez.
A menina de cabelos castanhos—Menou—estava com seu cabelo, normalmente desleixado, preso com um laço preto. Por algum motivo, Sahara percebeu num instante que aquilo foi feito das suas próprias roupas que Momo havia roubado.
Depois disso, Sahara se transferiu para um monastério normal.
Era um monastério puro e nobre, sem vínculo com o lado negro da sociedade. Ao invés de treinar intensivamente futuras Executoras, elas acolhiam meninas que não tinham para onde ir como freiras e educavam aquelas que tinham interesse em, eventualmente, se tornar sacerdotisas.
O desejo desesperado de se tornar especial de Sahara havia murchado e desbotado. Uma razão, era que não tinha como saber onde “outra Momo” poderia estar se escondendo. Ela viveu o mais modesta e reservadamente que pôde.
Na igreja local, Sahara tornou-se uma estudante de honra razoavelmente talentosa. Lhe foi dito que ela era uma jovem promissora, que poderia obter seu traje de sacerdotisa antes dos doze anos. Ela recebeu uma avaliação de aumento de auto-estima sem nem mesmo se esforçar tanto.
Depois disso, sua péssima postura desapareceu, e Sahara naturalmente se tornou uma garota mais sociável.
À medida que esses dias relativamente tranquilos passavam, ela ouviu rumores sobre Menou.
A pessoa mais jovem de todas a se tornar uma Executora. A alcunha de Flarette. O registro perfeito de missões concluídas.
Os detalhes de suas muitas conquistas chegaram até os ouvidos de Sahara. Menou estava construindo um nome para si, mesmo que fosse apenas no submundo da sociedade.
Sahara ainda era apenas uma freira.
Pela primeira vez desde que ela deixou aquele monastério, seus sentimentos apagados de inveja começaram a crescer novamente.
Ela precisava de resultados. Ela tinha que se apressar e se formar do manto preto de feira para o branco de uma sacerdotisa assistente, e depois para o anil de uma sacerdotisa completa.
Ela tinha que fazer isso o quanto antes.
Ela tinha que fazer isso, senão… senão o quê?
Empurrada por uma impaciência que não conseguia explicar, Sahara se transferiu para as linhas de frente de defesa contra a Sociedade Mecânica na Fronteira Selvagem do leste, buscando uma chance de subir na hierarquia.
Outras tentaram impedi-la, mas Sahara abriu caminho à força. Se ela entrasse em batalha, poderia se distinguir. Portanto, ela escolheu o lugar que lhe daria mais oportunidades de lutar.
O campo de batalha fazia juz a sua reputação.
As linhas de defesa na Fronteira Selvagem do leste também eram conhecidas como o lixão da Sociedade Mecânica.
Absurdamente, era apenas uma área onde os soldados conjurados que constituíam a Sociedade Mecânica eram frequentemente descartados.
Os únicos soldados conjurados que saiam da Sociedade Mecânica eram compostos por uma única Cor Primária, mas se duas Cores Primárias fossem combinadas do lado de fora, eles se tornariam muito mais perigosos. Se um soldado conjurado com três Cores Primárias fosse formado, haveria múltiplas instâncias dele destruindo nações inteiras. As regras dessas combinações eram incertas, mas uma coisa era certa: Quanto mais soldados conjurados de Cores Primárias diferentes estivessem próximos, maior era a probabilidade de uma combinação acontecer.
Estilo cavaleiro, estilo dragão, estilo anjo e estilo inseto. Todos os tipos de soldados conjurados avançavam de dentro da Sociedade Mecânica. Ela tinha que ser destruída o mais rápido possível. Esses oponentes tinham uma quantidade enorme de recursos materiais, embora sua falta de estratégia fosse uma salvação. Dizia-se que um ano lá equivaleria a uma vida inteira de batalhas para uma sacerdotisa normal, e isso logo se provou verdade.
Sahara lutou frenética e imprudentemente.
Com o brasão na manopla em seu braço direito, Sahara se sobressaia em combate próximo, mesmo na Fronteira Selvagem do leste. As veteranas que lutaram lá a mais tempo, muitas vezes sussurravam conselhos para ela.
“Não se envolva com eles. Não os deixe te controlar. Se ouvir a voz deste mundo, escolha a morte sem hesitar.”
Conforme elas explicaram, lutadores perto da divisa da Sociedade Mecânica às vezes recebiam mensagens dessa chamada voz do mundo e ficavam obcecados por ela, dedicando-se à batalha. Dependendo do indivíduo, alguns acabavam matando seus companheiros, enquanto outros resistiam à contenção e se aventuravam nas profundezas da Fronteira Selvagem do leste, para nunca mais serem vistos.
Sahara não se incomodava com esses avisos vagos, nem mesmo tentava obter informações mais específicas. O campo de batalha aqui era severo. Era natural que alguns enloquecessem. Não muito tempo depois dela dispensar essas coisas como lendas, ela ouviu os últimos rumores.
Menou havia derrotado a Arcebispa Orwell no Reino de Grisarika. E lutado contra o Principal Erro Humano Pandæmônio na cidade portuária de Libelle, no Reino de Vanira.
Foi no dia seguinte ao que Sahara ouviu sobre esses feitos super impressionantes. Ela havia se aventurado mais longe e fundo do que o normal, dentro do território inimigo, quando foi tomada por uma sensação estranha.
Nome de Personagem: Sahara. Os dados foram registrados.
Era um eco desconectado, como se estivesse vindo de dentro do próprio mundo.
Boas-vindas ao Mundo Contêiner. Você adquiriu a funcionalidade de subir de nível. Ao derrotar inimigos, você agora pode obter pontos de experiência, elevar seu nível e adquirir habilidades. Agora que ganhou a habilidade de expandir seu Receptáculo, por favor, aproveite sua aventura neste mundo.
Ela ouviu uma voz estranha.
Era como se tivesse sido perfeitamente cronometrada para tirar vantagem de sua fraqueza mental momentânea.
A voz parecia prometer que se ela subisse de nível, poderia se tornar mais forte do que jamais foi.
Você subiu de nível.
Ela ouviu a voz novamente quando derrotou um soldado conjurado.
A princípio, ela assumiu que estava ouvindo coisas, mas a voz voltou toda vez que ela derrotou outro soldado conjurado. Era como se o mundo estivesse falando diretamente em sua cabeça.
Você subiu de nível.
Quando ela derrotava soldados conjurados, seu nível subia.
Você subiu de nível.
Derrotar monstros também elevava seu nível.
Você subiu de nível. Você subiu de nível. Habilidade adquirida. Você subiu de nível.
Quando seu nível subia, seu receptáculo se expandia. Ela conseguiu adquirir conjurações incomuns chamadas de habilidades sem nenhum treinamento especial. Sua quantidade base de Força Etérea, a qual normalmente era decidida no nascimento do indivíduo, se expandiu.
Ela estava ficando mais forte.
Ao olhar para os números crescentes, ela pôde sentir isso mais claramente do que nunca.
Funcionava perfeitamente para ela. Afinal, ela veio aqui construir um nome para si. Portanto, se ela encontrasse uma maneira de ficar mais forte, é claro que a abraçaria.
Você subiu de nível. Você subiu de nível. Você subiu de nível. Habilidade adquirida. Você subiu de nível. Habilidade adquirida. Você subiu de nível. Você subiu de nível. Habilidade adquirida. Você subiu de nível. Você subiu de nível.
Gradativamente, se tornou mais difícil elevar seu nível.
Isso não era o suficiente.
Justo quando ela estava se perguntando o que fazer, uma voz sussurrou de dentro do seu coração.
Você não poderia simplesmente matar pessoas?
Sahara estremeceu.
Aquilo definitivamente não estava certo. Não havia como ela chegar a uma ideia como aquela por conta própria. Ela não conseguia acreditar, e ainda assim a ideia ficou presa em sua cabeça não importava o quanto ela tentasse esquecê-la.
Não era certo matar pessoas. Sahara acreditava firmemente nisso enquanto lutava. Em dados momentos, ela sentia um puxão estranho, como se uma espécie de corda estivesse prestes a romper em algum lugar dentro dela.
As linhas de defesa da Fronteira Selvagem do leste. Em meio a batalha contínua delas para destruir os soldados conjurados que surgiam lá, Sahara encontrou ninguém menos que Genom Cthulha.
O monstro dos Plebeus. O Matador de Sacerdotisas e conquistador da Fronteira Selvagem do leste. Apesar de ter nascido neste mundo, dizia-se que ele tinha poder forte o suficiente para igualar as habilidades do Puro Conceito dos perdidos; ele era uma aberração da natureza que excedia os limites humanos apesar dele mesmo ser um.
Se o derrotasse, Sahara certamente poderia ser especial.
Normalmente, ela nunca sequer teria considerado lutar contra alguém assim.
Mas Sahara entrou na Sociedade Mecânica e desafiou Genom.
“Então, como se sente agora?”
O encontro acabou num instante. Não poderia nem ser chamado de luta real.
Segurando o braço direito arrancado de Sahara, o homem olhou para a garota moribunda.
“Por que tentou me desafiar? Parece que você está metida na Sociedade Mecânica, mas… deveria ter só fugido de mim, não? Digo, até você deve saber que não posso sair da Sociedade Mecânica.”
Ele era um homem muito estranho, de fato. Pedaços do seu corpo estavam faltando. E ainda assim, as feridas transversais em seu corpo estavam transbordando de Luz Etérea. O mais estranho de tudo, o homem não tinha rosto.
Havia um buraco enorme e escancarado onde seu rosto deveria estar. Ele parecia tão distante da definição de humano que era difícil dizer se era uma pessoa.
Uma forma de vida de Força Etérea.
Um ser sobrenatural que descartou seu corpo físico e transcendeu a estrutura da humanidade. Ocorreu a Sahara que este devia ser o resultado final de uma pessoa que elevou seu nível alto o suficiente.
“Por quê…?”
A razão era simples.
Porque ela queria ser especial.
Sahara queria ser mais especial que Menou. Após ouvir os rumores sobre suas últimas conquistas, Sahara se deu conta de que nunca conseguiria alcançar Menou por meios normais. Então ela pensou que se derrotasse Genom, talvez pudesse superar a outra garota.
Mas ela não queria compartilhar essa razão indescritivelmente estúpida com esse homem.
“Porque eu… não tomei café da manhã hoje.”
Ela engoliu a verdade antes que escapasse e falou sobre sua manhã no lugar.
“Eu saí sem tomar café e então choveu. Minhas roupas molharam, minhas botas ficaram cheias de lama, meu cabelo estava uma bagunça. E depois de todos esses aborrecimentos, me esbarrei com você.”
Ela descreveu todas as inconveniências ridiculamente insignificantes da sua tarde.
“Eu estava de tão mau humor que nem me importava mais, então decidi te desafiar.”
E as transformou na razão para sua morte.
Assim que disse isso, ela percebeu: Isso foi surpreendentemente próximo da verdadeira razão. Após ouvir sobre Menou, ela concedeu a entrada da Sociedade Mecânica em seu coração enfraquecido. Semi-consciente de que nunca poderia acompanhar Menou, ela se tornou autodestrutiva e desafiou Genom.
“Heh…hee-hee-hee.”
De alguma maneira, era tudo tão engraçado que ela começou a rir.
Se ela fosse morrer de qualquer forma, poderia muito bem ser por uma razão como essa. Quando Genom ouviu a razão de sua morte, seu olho remanescente amoleceu.
“Ah, é? É mesmo? Bom, não é uma razão tão ruim. Não teria sido tão ruim ser morta por uma razão tão estúpida, mas… acho que perdi a chance. Se eu tivesse perguntado sua razão primeiro, talvez tivesse deixado você me matar, mas agora já foi.”
Genom não matou Sahara.
Quando Sahara acordou, seu braço direito havia sido inexplicavelmente substituído por um protético. Ela percebeu que os efeitos da Sociedade Mecânica nela haviam ficado mais fortes. Estavam tentando devorar Sahara, do espírito ao corpo.
Alguns dias depois, Sahara fugiu da Fronteira Selvagem do leste. Ela pretendia passar despercebida, mas um dia, uma sacerdotisa veterana notou seu braço direito.
“Aquela garota foi afetada pela voz do mundo. Seu espírito está sendo consumido e controlado. É tarde demais para ela! Se não fizermos algo, ela se transformará em um soldado conjurado!”
Sob o comando daquela sacerdotisa, Sahara quase foi morta sem misericórdia.
Em resposta, ela fugiu.
Mesmo com seu nível aumentado, foi um golpe de sorte ela ter conseguido escapar das sacerdotisas e dos soldados experientes trabalhando juntos para detê-la. Eles assumiram, por algum motivo, que Sahara não podia deixar a Fronteira Selvagem do leste, então houve uma lacuna em suas fileiras quando a cercaram.
Após fugir por dias incessantemente para livrar-se de seus perseguidores, Sahara chegou no Deserto de Balar. Lá, ela pensou muito sobre o que deveria fazer e finalmente chegou a uma conclusão.
Ela iria matar a sucessora de Flare, Flarette, também conhecida como Menou.
Essa era a única opção restante para Sahara.
Ela havia sido treinada por um tempo como uma Executora, mesmo que incompleta. Ao seguir o rastro das conquistas de sua ex-colega, ela foi capaz de prever seu próximo passo.
Examinando as informações, ela formulou um plano para que Menou se encontrasse com os cavaleiros que estavam perseguindo Sahara e se chocassem contra o grupo criminoso próximo, Corrente de Ferro. Uma vez que eles enfraquecessem e exaurissem um ao outro, Sahara atacaria e acabaria com todos eles.
Por isso Sahara fez contato com a Corrente de Ferro e deu-lhes informações sobre Menou.
Sahara só estava trancada na cela para esperar caso Menou aparecesse. Ela previu que Menou teria menos probabilidade de desconfiar dela se ela fosse claramente uma cativa, nada mais.
Mesmo enquanto formulava esse plano, ela estava avaliando sua própria situação da forma mais objetiva possível.
A voz que ela ouviu, a estranha expansão do Receptáculo, o surto de sintomas nas linhas de frente da Sociedade Mecânica.
Quando ela reuniu tudo que havia lhe acontecido, percebeu o quão grave a situação realmente era. Seu espírito estava sendo consumido. A ideia de matar Menou para elevar seu próprio nível claramente não veio da antiga Sahara.
…Ou veio?
O desejo de Sahara de ser especial era de sua própria vontade.
Ela não estava apenas alegando que seu espírito estava sendo tomado como desculpa? Será que ela queria só colocar a culpa na Sociedade Mecânica?
Por que ela queria se tornar especial, afinal?
Sahara pensou muito atrás das grades de ferro.
Sua adoração pela Mestra Flare havia se quebrado há muito tempo. Sahara sabia que nunca poderia ser como Flare e nunca conseguiria sua atenção, não importa o quanto tentasse.
Por isso seu sentimento de querer ser especial perdeu o brilho que tinha na sua infância.
Se enroscou em seu peito como um desejo sombrio, denso e lamacento demais para ser chamado de sonho.
O que era, então? Ela não sabia, mas queria ser especial.
Ser especial era tudo que ela conseguia pensar.
Enquanto ela estava agachada dentro da cela em transe, Menou chegou. A gangue da Corrente de Ferro começou a atacá-la. Era a chance perfeita. Sahara caminhou instavelmente até as barras e espiou a batalha deles.
Ela estava vagamente ciente de que seu plano era cheio de furos.
O que aconteceria se Menou soubesse que Sahara era uma fugitiva procurada? Mesmo que ela estivesse muito focada em proteger sua Ádvena para escutar tais coisas, Momo provavelmente era sua assistente e poderia informá-la. E se Menou mencionasse Sahara ou suas características distintivas para os cavaleiros, tudo iria por água abaixo.
Havia muitos pontos onde seu plano poderia falhar.
Mas Sahara ainda assim decidiu tentar fazer contato com Menou, apesar de seu plano remendado. Ela tinha que elevar seu nível. Não havia nada mais importante para ela do que subir de nível e desbloquear novas habilidades.
Ela iria ser especial.
Clack. Sahara sacudiu a grade.
Menou olhou para ela.
Sua pele pálida. Seus olhos que tinham a cor fraca de sangue. Seus cabelos castanho-claros. Toda a sua coloração era estranhamente clara, tornando-a quase misteriosamente linda.
Clack. Ela sacudiu a grade.
Sahara odiava Menou.
Ela a odiava tanto.
Ela era tão invejosa, tão amarga, tão ressentida. Ela a odiava tanto, mas tanto—e a admirava tanto que seu coração estava carbonizado de saudade.
Sahara só ficou assim porque Menou existia.
Ela não queria ver ela ou Momo nunca mais.
Mas também nunca quis que elas morressem de fato.
E certamente nunca sentiu vontade de matá-las.
Tudo que ela realmente queria…
Tudo que ela queria era ser especial.
Sahara sabia que ela era uma pessoa má e covarde.
Ela era profundamente invejosa, excessivamente sarcástica, impulsiva e muito rápida em antipatizar com as pessoas. Quando a Mestra trouxe aquela criança distraída para o monastério, Sahara não conseguia parar de se perguntar o que a outra menina tinha que ela não tinha, e se desprezava ainda mais por ser tão insignificante.
Ela se sentia como uma areia de ferro que foi soprada de uma pedra gigante por uma tempestade, afundando para o fundo de um rio para apodrecer e ficar preta. E ela se odiava tanto que mal conseguia suportar.
Por isso ela queria ser especial.
Para ser mais poderosa do que outras pessoas.
Se pelo menos ela fosse mais forte, certamente poderia ser gentil com os outros. Ou assim ela pensava.
Ela não queria derrotar ninguém. Ela não queria machucar ninguém. E ela certamente nunca quis matar ninguém.
Ela só pensava que se ficasse mais forte… talvez pudesse ser uma pessoa linda que fizesse coisas para outras pessoas, como Menou.
Apenas isso.
Então se ela matasse Menou e conseguisse seus pontos de experiência, poderia subir de nível. Ela finalmente poderia superá-la.
Ela finalmente poderia ser especial.
“Escute, Menou.”
Ela tinha que ficar mais forte. Ela tinha que matar Menou. Ela só tinha que continuar elevando seu nível.
E então certamente, ela poderia, algum dia, escapar da jaula de areia de ferro que estava afundando sua lamentável embarcação.
“Você tem que fazer algo sobre o Receptáculo…”
Ela tinha certeza disso…
“Você tem que me matar.”
Então por que ela fez tal pedido? Mesmo agora, enquanto erguia seu punho com determinação para matar Menou, ela não sabia exatamente.
Só que ela percebeu que o laço preto que Menou estava usando era feito das roupas que a própria Sahara costumava usar… e sem pensar, ela envolveu a garota com seu braços e sussurrou aquilo em seu ouvido.
O brilho do fóton de Luz Etérea disparou de sua palma erguida e pegou de raspão na bochecha de Menou.
Houve um suave chiado de pele queimando. Antes que o calor na bochecha de Menou pudesse se transformar em dor, Sahara saltou em sua direção.
Sahara fechou o punho, sem dúvida assumindo que Menou havia perdido o equilíbrio enquanto desviava do primeiro ataque. Ela puxou seu braço metálico para trás, visando um golpe no tronco.
Menou ergueu sua adaga para se defender.
Força Etérea: Fundir Materiai—Braço Protético, Conjuração de Selo Interno—Ativar [Habilidade: Canhão Etéreo]
Uma explosão de Luz Etérea do cotovelo de Sahara acelerou seu punho para frente.
Seria impossível bloqueá-la completamente. Desistindo de manter sua posição, Menou escolheu deixar a força mandá-la para trás.
À medida que ela voava pelo ar, Menou virou o corpo e aterrissou com facilidade.
Ela não ficou chocada com o ataque repentino. Menou nunca confiou completamente em Sahara, para começar.
Tudo que elas tinham em comum era o fato de terem sido criadas no mesmo monastério. No mínimo, o fato de alguém que ela conhecia do monastério ter aleatoriamente aparecido em seu caminho parecia ainda mais suspeito.
Ela estava se perguntando por que o momento funcionou assim.
“A Corrente de Ferro… Não, não consigo imaginar que você estivesse trabalhando para eles.”
“Não. Estou certa de que você percebeu isso, mas eu já sabia sobre os planos da Corrente de Ferro. Então pensei em lhes dar uma mãozinha em seus esforços para expandir a Sociedade Mecânica, só isso.”
Miller e o grupo Corrente de Ferro haviam descoberto os movimentos de Menou porque Sahara estava fornecendo informações a eles.
Mas por que ela faria tal coisa?
“Não sei se entendi seus motivos. O que você ganha me matando?”
“Meu nível aumenta.”
O rosto de Menou contraiu. “Nível? O que acontece quando ele aumenta, então?”
“Eu posso ser especial. Mais do que outras pessoas.”
“…Que perturbador. Você não quer mais ser humana?”
“Você não entenderia.”
Como ela chegou a uma conclusão dessas?
“Alguém que foi especial desde o início nunca poderia entender.” Sahara não tinha interesse em tentar chegar a um entendimento com Menou. “Houveram alguns percalços, como o fato de você conhecer a Princesa Cavaleira de alguma forma, mas ainda dançou perfeitamente para mim. Agora que você e esses cavaleiros estão exaustos, só preciso matá-los e tudo vai acabar.”
Ela havia jogado dos dois lados, conduzindo um ao outro para que lutassem. Uma vez que ambas as partes estivessem exaustas da batalha, Sahara planejava derrotá-las com facilidade.
Menou não ficou zangada por ter sido enganada, nem parecia chocada com a armação.
“Nível… Nível, hmm? Entendo. Ouvi os rumores sobre a Fronteira Selvagem do leste, mas nunca esperei ver com meus próprios olhos.”
Em vez disso, ela apenas sorriu friamente. O braço direito de Sahara refletiu nos olhos de Menou.
“Há um defeito fundamental nesse plano.”
Sahara franziu o cenho para o tom de escárnio de Menou. “Do que está falando?”
“Você abandonou seu treinamento de Executora e nunca nem se deu ao trabalho de obter as vestes de uma sacerdotisa da Faust. Você realmente acha que uma freirinha mimada tem o que é preciso para me matar?”
Os olhos de Sahara arderam de fúria, enquanto os de Menou brilhavam frios.
Respirando fundo, Sahara se firmou.
Força Etérea: Fundir Materiais—Braço Protético, Conjuração de Selo Interno—Ativar [Habilidade: Manopla de Prata]
Seu braço direito se transformou.
As peças de metal se dividiram e expandiram enquanto Luz Etérea preencheu os espaços recém formados e solidificou uma nova forma. Seu braço antes esbelto se transformou em uma manopla grande, robusta e brilhante.
A Luz Etérea que foi usada para formar a transformação disparou com um som crepitante.
“Bom, suponho que isso seja o que eu esperava.”
Isso era impossível, é claro.
A transformação do braço direito de Sahara superava de longe qualquer técnica de Força Etérea conhecida. Mesmo para a Faust, protéticos Etéreos eram limitados a imitar um braço real. Elas não tinham tecnologia para criar braços que pudessem se transformar.
Mas Menou não deixou seu alarme transparecer.
“Esse braço parece muito pesado.”
“Você também quer um?” A expressão de Sahara não mudou enquanto ela erguia seu punho. “É bem legal, não é?”
Força Etérea: Fundir Materiais—Braço Protético, Conjuração de Selo Interno—Ativar [Habilidade: Canhão Etéreo]
Força Etérea: Conectar—Escritura, 2:5—Invocar [Regozijai-vos, pois o muro que cerca um piedoso rebanho de ovelhas jamais ruirá.]
Uma bola de canhão de Força Etérea disparou da palma de Sahara.
Era muito maior do que as que ela havia usado até então. À medida que as densas partículas de força voavam diretamente até Menou, ela as defletiu com a conjuração da escritura que já havia preparado.
A santa barreira da igreja.
Uma voz falou com Menou de fora do muro de luz que se formou em torno dela.
“Eu sei do que você realmente é capaz. Somos do mesmo monastério, afinal. Sua força, capacidade de Força Etérea, fé. Todas são perfeitamente medianas.”
Houve um clunk de um punho atingindo o muro. Foi um toque leve, não a batida alta de um soco. Sahara estava tocando a barreira que Menou havia criado.
No momento seguinte, Menou descobriu o porquê.
Força Etérea: Fundir Materiais—Braço Protético, Conjuração de Selo Interno—
O braço de Sahara começou a se transformar novamente.
A parte superior de seu punho tomou uma forma cilíndrica com uma enorme estaca no meio. Era tão grande que Menou podia ver até mesmo além da barreira que havia feito.
A energia acumulada na base do cilindro foi toda liberada de uma só vez.
—Ativar [Habilidade: Bate-estaca]
A enorme estaca disparou de seu braço.
Ela sacudiu o ar com a força de um aríete. A força explosiva que a impulsionou para frente à queima roupa deu à estaca um incrível poder de perfurante. A barreira feita a partir da escritura se quebrou sob o imenso impacto.
“O que significa que lutar múltiplas batalhas depois de marchar pelo deserto não vai ser nem um pouco fácil para você.”
Enquanto os estilhaços brilhantes de Força Etérea se dispersaram, Sahara permaneceu com seu braço de metal erguido. Ela sorriu, tendo destruído as defesas de Menou.
“Ainda quer continuar?”
Ela tinha um plano para desgastar Menou, uma vantagem decente de campo e um braço protético que poderia destruir as conjurações de Menou. E neste deserto, não havia veia terrena. Não haveria chance para ela mudar o jogo com uma invocação poderosa. Menou estava em uma completa desvantagem.
Então quando Sahara a convidou a se render, ela tinha apenas uma resposta.
“Isso ainda é muito melhor do que a vez com a Arcebispa Orwell.”
Sua força e Força Etérea estavam um pouco diminuídas. Ela tinha sua adaga e escritura.
Isso era o bastante. Não era praticamente nada diferente do seu treinamento no monastério.
“Sahara.”
Sahara respondeu somente com silêncio, mas Menou apenas sorriu gentilmente.
Este lugar ainda era um círculo de conjuração que iria ativar se as condições certas fossem atendidas. Se alguém morresse, este iria fornecer ainda mais o círculo com Força Etérea. Portanto, Menou sabia exatamente o que dizer.
“Não posso matá-la, então não se preocupe, vou me conter.”
A expressão de Sahara se aguçou com o desafio. Enquanto ela estava distraída com seus pensamentos, Menou avançou.
Menou se aproximou de Sahara com passos inconstantes e sem pressa. Havia confusão misturada na fúria da outra garota. A aproximação de Menou era simplesmente vulnerável demais. Enquanto ela avançava sem nem preparar sua adaga, sua defesa estava tão cheia de buracos que Sahara deve ter se perguntando se ela havia enlouquecido com o desespero.
Justo quando parecia que poderia estar cambaleando de exaustão, ela subitamente mudou de passos lentos para velocidade máxima.
“…?!”
Sahara arfou. Ela não conseguiu reagir a tempo à mudança repentina de ritmo. Ao recuar rapidamente, ela fez o que Menou queria. O chute de Menou a atingiu em cheio no peito enquanto recuava.
“Nngh—”
Sahara grunhiu de dor, mas não parou de se mover.
Mantendo sua posição contra o impacto do chute, Sahara usou seu braço direito metálico para contra-atacar. Com a alta potência de Força Etérea por trás de seus golpes, Menou não conseguiria resistir a eles neste estado, não importa o quanto tentasse. Não, mesmo que ela estivesse com força total, não seria capaz de suportar esses ataques sozinha.
Mas tudo bem.
Força Etérea: Conectar—Escritura, 6:5—
Matar uma pessoa não exigia tanta força.
Percebendo a construção de uma conjuração, a atenção de Sahara virou-se para a escritura de Menou. Ela se mexeu para impedi-la, relutante a dar-lhe tempo suficiente para invocar uma conjuração de escritura a uma distância tão curta.
Menou abandonou a conjuração da escritura.
A pequena quantidade de Força Etérea que ela colocou na escritura prontamente se dispersou. A expressão de Sahara se contorceu de surpresa. O que Menou estava tramando? Enquanto permanecia desorientada em estado de choque, ela viu Menou erguer sua escritura.
A sacerdotisa bateu um dos cantos dela na lateral de Sahara.
“……!” Sahara soltou um guincho silencioso de dor.
O que Menou acabou de usar para golpear seu flanco foi um livro de quase quinhentas páginas, reforçado com metal. A dor resultante era o suficiente para mandar uma pessoal normal se contorcendo ao chão. Sahara resistiu, mas isso foi o máximo que ela pôde fazer.
Seus movimentos pararam completamente. Com um gesto quase relaxado, a lâmina da adaga de Menou cortou o ombro direito de Sahara.
Sahara olhou para sua oponente.
Mesmo coberta de suor, com sua franja grudada na testa e mechas de cabelo coladas em suas bochechas, Menou ainda era linda.
“Ainda quer continuar?”
Menou sorriu. Sahara fez uma careta.
Era muito óbvio quem tinha a vantagem aqui.
Por que acabou assim?
Totalmente ciente de sua inferioridade, Sahara ainda lutou desesperadamente.
Ela queria escapar do seu eu atual. Ela queria ser algo, qualquer coisa, diferente. Queria algo mais que ela não conseguia colocar em palavras.
Ela queria isso desde o dia em que a Mestra Flare trouxe Menou.
Menou estava na posição que Sahara queria. Ela não era melhor que Sahara de alguma maneira. Não era como se Sahara não pudesse vencer Menou—ela o fez em treinamento várias vezes. Também não parecia que Menou tinha mais potencial que ela. Suas circunstâncias nem eram tão diferentes assim.
Então por que ela não conseguia encostar um dedo nela?
“Maldi…çãããão!” Sahara gritou, tomada por frustração. Ignorando a dor em seu ombro, ela lançou-se na direção de Menou.
Não era para ser assim. Sahara deveria se tornar uma nova versão de si mesma. Ela queria mudar, ser uma pessoa completamente diferente.
Ela pensou que poderia mudar, se ao menos subisse de nível e ficasse mais forte.
Ambas foram salvas pela mesma Mestra. Ela não partiu para salvar alguém de fato, apenas as resgatou por acaso no processo de caçar tabus. Isso foi realidade tanto para Menou quanto para Sahara.
Mas uma se tornou sua companheira de viagem e a outra ficou para trás.
Qual era a diferença? Sahara rangeu os dentes.
Somente que uma estava no lugar certo e na hora certa.
Essa era a única forma de descrever. A menina que admirava Flare nunca chamou sua atenção, enquanto a menina que havia perdido tudo acabou se tornando sua sucessora.
Por que não poderia ter sido Sahara? Ela ergueu seu braço direito falso para esmurrar essa pergunta sem resposta em sua oponente.
“Não somos nada diferentes.” Menou calmamente deu-lhe uma resposta. “Não sou realmente especial e não tenho nenhum talento oculto. Estou certa de que você já sabia disso.”
Por que ela diria algo assim?
Ela queria que Menou se gabasse. Se ela se colocasse acima e agisse com superioridade porque foi a escolhida, pelo menos Sahara poderia odiá-la. Isso validaria seu rancor de longa data.
Sahara cerrou os dentes. Por que Menou não agia de forma mais convencida? Ela foi criada pela Mestra Flare, se tornou a Executora mais jovem da história e derrotou tantos oponentes poderosos.
Mas a adaga de Menou estava irritantemente quieta.
“Não quero que ninguém tente ser como eu. A Mestra sentia o mesmo. Faz sentido, não? Uma Executora existe apenas para matar outras pessoas, afinal.”
Sahara queria que Menou fosse uma pessoa pior.
“Não quero que mais ninguém tenha que matar pessoas.”
Quanto mais Menou era uma boa pessoa, mais infeliz Sahara se tornava. Ela se sentia pequena e horrível por ser incapaz de aceitar uma garota linda como Menou. Só estar perto dela fazia seu coração doer. No fim, um sorriso de Menou era o suficiente para preenchê-la de ódio.
Se Menou fosse uma má pessoa, Sahara poderia ter se perdoado por odiá-la.
Porém, Sahara era a má.
Ela invejava infantilmente Menou, se ressentia dela, desafiou-a para uma batalha—e o mais patético de tudo, ela estava a ponto de perder.
Mas o que ela deveria fazer sobre ser má?
Ela não poderia alterar o modo como ela se sentia apenas vivendo a vida. Ela não poderia se tornar uma pessoa diferente apenas ouvindo as palavras certas. Mesmo que ela tentasse mudar, ela ainda seria a mesma no fundo.
Ela não sabia o que era certo, não conseguia desalojar sua auto-aversão profundamente enraizada.
Então, em vez disso, ela egoisticamente fez seus desejos para outra pessoa.
“Eu te imploro, por favor, só me deixe em paz.”
Quando ela se deu conta, havia lágrimas em seus olhos.
Mesmo que ela deixasse Menou para trás, Menou não desaparecia. Ela continuava ouvindo rumores sobre ela. Ela continuava descobrindo sobre suas conquistas. Longe dela, a fama de Menou ainda roía o coração de Sahara.
Quer ela fosse controlada pela Sociedade Mecânica ou não, o ideal de Sahara de Menou já ameaçava triturar seu coração.
Portanto, não havia mais nada que ela pudesse fazer.
Ela percebeu isso, quer ela quisesse ou não.
Como exatamente ela queria ser especial? Sahara de repente se deu conta da terrível resposta.
Sem dúvida, Sahara queria ser Menou.
“Um braço não era suficiente.”
Uma voz sussurrou na mente de Sahara.
“A pessoa que você quer ser—você não pode se tornar ela. Sabe o que lhe falta? Eu digo.”
O fraco sussurro veio de seu braço direito.
“Você tem que ser aquele Receptáculo.”
Era a própria voz de Sahara.
“Todas as pessoas dizem a mesma coisa. Elas querem ser fortes. Querem ser especiais. Querem ser melhores. Elas querem ser como aquela pessoa que veem à distância. Querem ser tudo menos elas mesmas. É egoísta. Tão egoísta. Porém, tão querido. Este é o desejo que te motiva.”
Uma visão da própria Sahara apareceu na frente dela, como se estivesse diante de um espelho de corpo inteiro.
Sahara estendeu a mão para a ilusão de si mesma. Para a mão esquerda que supostamente, algum dia, seguraria uma escritura quando ela se tornasse uma sacerdotisa. Ela se odiava mais do que podia descrever. A partir do momento em que ela tomou consciência de que essa auto-aversão estava alojada fundo demais para destruir, ela perdeu toda a esperança em sua vida.
“Eu entendo. É um sentimento que pouquíssimas pessoas podem se identificar. Você se odeia. Seu reflexo te enoja tanto que você poderia vomitar. Por mais que você tente descobrir por que se odeia tanto, passa a vida inteira se rejeitando.”
Ela queria ser outra pessoa. Não tinha que ser Menou.
“Portanto, descarte essa pessoa que você odeia tanto. Destrua o inseto que é você mesma.”
Ela só queria se livrar da pessoa que era.
“Se torne um Receptáculo.”
Sahara assentiu.
Força Etérea: Fundir Materiais—
Como se para responder sua prece, uma conjuração começou em seu braço direito, independente da vontade de Sahara.
O que a conjuração estava tentando consumir não era apenas Força Etérea.
Revestir—Puro Conceito [Receptáculo]—
A conjuração do seu braço direito entrou em seu espírito e consumiu sua alma. Enquanto se sentia se tornando totalmente outra pessoa, Sahara sentiu apenas alívio.
Finalmente, essa horrível exibição dela terminaria.
Ativar [Possessão]
O Puro Conceito de Receptáculo, que estava adormecido no braço direito de Sahara, invocou uma conjuração.
Sahara foi sugada pelo seu braço direito.
Não havia outra maneira de descrever o que aconteceu. O metal que compunha seu braço consumiu seu ombro e foi além. Seu braço protético direito cobriu o resto do corpo como um plástico filme, até a própria Sahara não poder mais ser vista. O metal que a rodeou dividiu os três componentes da sua vida—corpo, espírito e alma—como se estivesse devorando todos eles, transformando-os em três cores de Luz Etérea.
O corpo de Sahara foi completamente quebrado—não fisicamente, mas em três cores diferentes de luz. Ela se transformou em partículas vermelhas, azuis e verdes.
Menou ficou paralisada com a construção da conjuração que ocorreu.
Um Puro Conceito.
Partículas de luz mais finas que areia se desenrolaram com um som de shush. As Cores Primárias eram impossíveis de discernir da realidade, mesmo para os olhos aguçados de Menou.
O espírito de Sahara deve ter sido corroído e mudado gradativamente sem ela perceber. Nesta batalha, quando ela abriu mão de tudo que sobrou dela, seu braço direito consumiu completamente seu espírito e tomou posse do seu corpo. Ele usou a alma e o espírito da garota chamada Sahara como materiais para criar o que ela queria.
E o soldado conjurado resultante ficou idêntico a Menou.
“Ah, ah, aaah…”
A versão conjurada de Menou fez ruídos sem palavras, como se para testar suas cordas vocais. Era uma voz estranha, soando ao mesmo tempo natural e inorgânica.
“Aaah, ahhh…ahhh, tão irritante.”
O soldado conjurado sem nome inclinou a cabeça. Seus movimentos eram mecânicos e artificiais. Fora isso, apenas uma característica o distinguia da verdadeira Menou: cabelo longo, sem um laço prendendo-o.
“Malditos insetos.”
Um arrepio percorreu a espinha de Menou. Ela instintivamente entendeu o que o soldado conjurado na frente dela era, quer ela quisesse ou não.
Não era apenas uma Cor Primária. Era um soldado conjurado perfeitamente completo, com todos os três componentes: vermelho, azul e verde. Um lendário ser realizador de desejos que podia destruir nações e criar mundos.
“Insetos. Malditos insetos. Desapareçam do meu mundo. Eu esmagarei os insetos. Este mundo ainda está cheio daquele inseto horrendo conhecido como as irritantes emoções. Eu devo destruí-los. Devo consumi-los. Devo corrigi-los. Devo sobrescrevê-los.”
Menou sentiu uma hostilidade óbvia.
Consumida pela auto-aversão tão forte que a fez abandonar a si mesma, Sahara se transformou em um soldado conjurado. O Puro Conceito de Receptáculo estava dando a ela o poder para realizar seu desejo de derrotar Menou, transformando-a em um soldado conjurado sem nome.
“Devo esmagar todos os insetos para trazer paz ao meu mundo.”
O complexo de inferioridade e a autocontradição de Sahara estavam se misturando aos princípios comportamentais do Receptáculo.
Menou olhou fixamente para o soldado conjurado Receptáculo.
Ele claramente havia se modelado seguindo a própria existência dela. Não era de fato Menou, é claro, mas um conceito ideal dela. Era a Menou cuja garota Sahara aspirava ser, igual, porém distinta.
Suor escorreu pela nuca de Menou.
Toda a luta que ela foi forçada a suportar até então, drenou sua energia.
Seu traje de sacerdotisa estava pesado com o suor do corpo. Sua pele estava ensopada, mas nem esfriava direito. A sensação grudenta de seu rabo de cavalo roçando na nuca quando se mexia era imensamente irritante. Toda vez que ela respirava, seus pulmões protestavam ligeiramente de dor.
Seu vigor foi severamente reduzido e ela também estava ficando sem Força Etérea. O som de seus batimentos cardíacos acelerados palpitavam em seus ouvidos, levantando a questão de quanto tempo mais ela poderia continuar.
Ela estava beirando os seus limites.
Mas ainda não tinha terminado.
Força Etérea: Conectar—Escritura, 3:1—Invocar [E o inimigo iminente ouviu o badalar do sino.]
Ela abriu com uma conjuração da escritura. Enquanto Menou ativava a conjuração, seu oponente saltou. O sino ressoou. O som com poder imbuído ecoou em todas as direções, colidindo contra o soldado conjurado Receptáculo em pleno ar.
Mas o soldado não desacelerou nem um pouco.
Ele destruiu o sino da igreja com um chute poderoso. Menou olhou em estado de choque. Seu ataque de conjuração da escritura não funcionou de forma alguma. Tendo destruído o sino, Sahara pousou e avançou. Ela era rápida. Com um único passo, ela estava bem diante do nariz de Menou.
A imagem espelhada de Menou lançou um soco.
Menou rapidamente sua a escritura como escudo, mas o impacto ainda foi forte o suficiente para sacudir seu corpo.
Nada bom. Ela fez uma careta. Seu oponente estava preparando um ataque seguido. Justo quando ela sentiu que não conseguiria bloquear a tempo, com seus instintos alertando-a do perigo—a parede explodiu de repente.
O soldado conjurado foi atingido por uma lâmina enorme enquanto tentava atacar Menou. Era Ashuna. Ainda mais surpreendente, ela brandiu sua espada gigante de fora da sala e conseguiu acertar em cheio o pescoço de Sahara.
“Ela é igualzinha a você. Essa é sua irmã gêmea ou—o quê!?”
A saudação casual de Ashuna desapareceu quando ela viu o resultado de seu corte.
Foi realmente impressionante que Ashuna tenha saltado para o resgate e conseguido atingir seu oponente com precisão do outro lado da parede.
Infelizmente, sua lâmina não cortou nem um pouco a pele do soldado conjurado.
“Maldito inseto.”
O soldado repeliu a lâmina e disparou como uma flecha.
Mesmo Ashuna, que se destacava em combate próximo, não conseguiu acompanhar seus movimentos. Ele passou direto pela espada larga e enterrou seu punho no abdome de Ashuna, arremessando-a com o impacto. Quando seu pé esquerdo deixou o chão, o soldado conjurado agarrou-a pela gola e a atirou para baixo.
Houve um tremor sob os pés.
Os tremores também sacudiram o coração de Menou. Como Ashuna pôde ser derrubada tão facilmente?
Tudo foi ainda mais chocante, porque Menou sabia o quão poderosa Ashuna era.
Sem se preocupar em ir atrás da, agora inconsciente, Ashuna, o soldado conjurado fixou seu olhar em Menou.
“Esmagar todos os insetos. Se agora eu sou você, então você não passa de um inseto.”
Esse oponente não era assustador como Pandæmônio, ou tão incognoscível ou visualmente repulsivo quanto. As palavras e ações do ser diante de Menou eram tão ocas que parecia que você poderia ouvir um eco vazio se sacudisse o lado de fora.
Era puramente e mecanicamente forte. Sem o espírito brincalhão de Pandæmônio, nem um único movimento era desperdiçado.
Antes do estrondo no chão sumir, o próximo ataque já estava colidindo com Menou.
Ela conseguiu resistir por pouco, mas nada mais.
O ataque seguinte atingiu sua têmpora e quase a nocauteou. Alarmantemente, Menou estava perdendo a noção de onde estava sendo golpeada. Cada soco e chute causavam um impacto em seu corpo e mente, mas ela não sabia mais onde estava levando dano.
A consciência de Menou estava rapidamente desaparecendo.
Seus pés não estavam no chão. Sua visão estava escurecendo. Seu corpo inteiro estava espancado e ferido. Muito provavelmente, ela só ainda estava viva porque em algum lugar dentro do soldado conjurado, Sahara apenas queria fazer Menou se render.
Algo agarrou a cabeça de Menou. Ela sentiu o ligeiro frio de metal contra seu rosto.
Então ela foi erguida no ar. Com seus membros pendurados frouxamente, seu corpo balançou.
Ela iria perder.
A palavra derrota passou pela mente de Menou.
Ao se dar conta de que seria derrotada e morta aqui, as primeiras palavras que vieram à mente foram Me desculpe.
Não era um pedido de desculpas a todas as pessoas que ela matou.
Ela estava pensando em Momo, que sempre esteve ao seu lado, e por algum motivo, Akari.
Menou nunca valorizou a própria vida.
Ela não se incomodava com a ideia de morrer, quando quer que pudesse acontecer. Como ela era uma assassina que passou a vida matando outras pessoas, parecia errado para ela querer viver. Portanto, quando chegasse a hora dela morrer em desgraça, ela sentia que estaria pronta.
Mas agora que o momento de sua morte estava chegando, era diferente. Ela estava pensando no rosto de Momo ao deslizar sorrateiramente para mais perto. Akari ao sentar-se na cama, ainda quase dormindo.
Nem todo o tempo de Menou foi passado matando pessoas. Ela teve curtos períodos de felicidade, tão triviais que ninguém se daria ao trabalho de compartilhar com os outros.
Agora que ela era quem estava prestes a ser morta, ela finalmente percebeu uma coisa. Menou não queria morrer. Ela não queria deixar alguém matá-la. Então ela tinha que vencer.
Mesmo que isso significasse que ela tinha que matar outra pessoa.
“Ahhh…”
Sangue quente escorreu na boca de Menou. Era seu próprio sangue. O sabor metálico a lembrou de que ela ainda estava viva.
Foi um pensamento marcante e revolucionário. Naquele momento, Menou resolveu, pela primeira vez, matar outra pessoa pelo seu próprio bem e desejou fervorosamente viver.
Sahara queria vencer Menou, queria matá-la mesmo que isso significasse se entregar.
Ela deve ter tido uma boa razão.
Menou, no entanto, não poderia simplesmente perder por causa dela. Ela não sabia como poderia vencer. Sua mente racional sussurrou que havia algumas batalhas que não podiam ser vencidas. O que ela poderia fazer contra um inimigo que parecia imune a seus ataques?
“Eu destruirei todos os insetos.”
O soldado conjurado enviou Força Etérea para Menou através da pegada em seu rosto.
Força Etérea: Conectar—
Ela tinha a sensação de que sabia o que estava prestes a acontecer.
O Receptáculo estava tentando possuir Menou. Ele queria fazer de Menou outro hospedeiro, tal como fez com Sahara. A Sociedade Mecânica do Puro Conceito de Receptáculo sempre se expandiu dominando tudo ao seu redor, inorgânico ou não.
Desde que foi branqueada quando era mais nova, Menou perdeu as defesas em volta de seu espírito. Nesse ritmo, o inimigo fluiria diretamente nela. Ela se xingou por ser tão vulnerável a ataques mentais.
Revestir—Puro Conceito [Receptáculo]—
O poder para assumir um espírito, destruir o corpo em três Cores Primárias e reconstruí-lo. Será que Menou estava prestes a ter seu espírito consumido e se tornar parte do Receptáculo, igual a Sahara?
Justo quando aquele fim intempestivo parecia inevitável, ela teve um lampejo de inspiração.
Se o inimigo estava entrando em seu espírito, então ainda havia uma coisa que Menou poderia fazer mesmo com sua Força Etérea drenada quase que completamente. Ela poderia usar o poder que ainda residia dentro dela.
Mas a ideia era muito fugaz.
Invocar [Possessão]
Parte do Puro Conceito de Receptáculo fluiu em Menou sem hesitar. Ela sentiu seu espírito encher por dentro e começar a se afogar.
Essa era a maneira de Menou se apresentar, colidindo diretamente contra o espírito do oponente. Todos os tipos de cenas fluíram em sua mente, como lixo chegando à praia. As paixões de Sahara também estavam misturadas lá. A verdade do por que ela era tão obcecada por Menou a atingiu em cheio no coração.
Sua tentativa de controlar sua oponente de dentro de si mesma quase terminou em um fracasso passageiro.
“Ah…”
Mas então, o soldado conjurado que usava o rosto de Menou e estava tentando substituí-la, arfou.
A confusão dominou o Receptáculo. Tudo neste mundo podia ser expresso com as três Cores Primárias. Mas como essas cores eram feitas de luz, havia uma cor que podia engolir todas elas.
Esta era Marfim, o vazio.
“Por que Marfim está aqui?”
O espírito e a alma de Menou não conseguiam resistir, ainda assim o Puro Conceito de Receptáculo não conseguia afetar seu corpo.
O inimigo hesitou.
O braço de Menou se mexeu. Foi uma reação reflexa. Seus instintos disseram a ela que essa era sua chance e deram um passo rumo à sobrevivência. Ela golpeou com sua adaga. A ponta da lâmina quicou inutilmente na região da têmpora do soldado conjurado. Não pareceu ter nenhum efeito, mas o aperto no rosto de Menou afrouxou e a soltou.
A conexão foi interrompida.
“Hahhh!”
Caindo no chão, Menou ofegou por fôlego. Ela começou a inspirar e expirar novamente. Seu corpo inteiro estava coberto de suor frio e seu peito parecia apertado e doloroso. Este era o fim.
Por algum motivo, o soldado conjurado que usava o rosto de Menou estava olhando para ela com medo.
Menou se recompôs mentalmente. Ela assumiu o controle da energia que fluiu para ela e foi deixado para trás.
Força Etérea: Conectar—
Extraindo-o de dentro dela, ela o ejetou em sua escritura.
Escritura, Capítulo 13, Passagem Completa—
Uma invocação de uma Passagem Completa da escritura.
Menou se apoderou do poder do Puro Conceito que havia entrado em seu espírito, o manipulou, o controlou e continuou enviando-o para sua escritura.
Invocar [“Por quê?” exclamou o rei. A mulher caiu. Ela recebeu a lança no lugar do rei. A mulher disse, “Não é para o seu bem.” O Rei não entendeu. O sangue da mulher molhou os pés do rei. “Sua vida é destinada ao Senhor.” Com isso, a mulher—
O sinal da conjuração sendo invocada era um lindo copo feito de Luz Etérea.
—faleceu. O rei chorou. Ele não entendeu. Por que a mulher morreu? Por que ele deixou a mulher morrer? Havia somente uma coisa que ele certamente sabia.
Era um copo vazio, grande o suficiente para ser segurado com as duas mãos. Um cálice. Ela continuou lançando a Força Etérea que havia escoado dentro dela no cálice, a fim de manifestar seu verdadeiro poder.
O espírito de um mártir é tão precioso que é praticamente um tolo.]
Essa conjuração normalmente era usada para conectar a Força Etérea de uma pessoa à terra e ativar a veia astral dentro dela. A Força Etérea afundou no chão, preenchendo o deserto sem veia com uma enorme quantidade de energia. Era quase como se estivesse restaurando o fluxo que outrora foi interrompido aqui.
Nesse ritmo, não faria sentido. A Força Etérea iria simplesmente se dispersar.
Mas Menou atualmente estava no centro de um círculo de conjuração.
Força Etérea: Auto-Conectar (Condições Atendidas)—Base do Deserto, Círculo de Conjuração Arquitetônica do Forte—Invocar [Teletransporte]
A enorme quantidade de Força Etérea fluiu para o gigante círculo de conjuração e o ativou.
Era exatamente isso que Menou planejava.
O círculo de conjuração foi criado com base em duas disciplinas: materialogia e brasologia. O padrão formado pelos prédios estrategicamente situados começou a brilhar.
E um pequeno buraco abriu no mundo.
O buraco era tão pequeno, era difícil de acreditar que havia sido criado por um círculo de conjuração tão grande e uma enorme quantidade de poder. Mas estava conectado a outro lugar. A terra longínqua da Fronteira Selvagem do leste, a Sociedade Mecânica, estava conectada a este buraco.
No momento seguinte, o mundo rangeu.
O buraco incrivelmente pequeno criou uma reação dramática. O ar foi puxado para dentro dele com um estrondo. O chão sacudiu, a atmosfera estremeceu e as três Cores Primárias jorraram dela e inundaram o ambiente.
Abrindo um buraco no mundo completamente revestido perturbou o equilíbrio da Sociedade Mecânica, que era mantido apenas pelas Cores Primárias.
Uma quantidade insana de poder fluiu da Sociedade Mecânica.
“Maldito…inseto…”
O primeiro a ser afetado foi o soldado conjurado Receptáculo, posicionado próximo do buraco. A onda de choque de Cores Primárias, tão cheia de energia que parecia que o próprio mundo foi pego em uma avalanche, atingiu o soldado conjurado que tinha a forma de Menou e o desintegrou. Não havia distinção visual a ser feita. O poder crescente estava tentando transformar tudo em seu próprio mundo, indiscriminadamente. Ele se espalhou para sobrescrever o mundo como parte de seu próprio Receptáculo.
Menou não tinha força suficiente de sobra para detê-lo.
Mas ainda havia uma pessoa aqui.
Força Etérea: Conectar—Espada Real, Brasão—Invocar [Corte: Expansão]
Uma lâmina brilhante se estendeu até o teto.
O ataque de Ashuna cortou a base ao meio perfeitamente.
O dano físico ao círculo de conjuração destruiu sua eficácia. O buraco de ligação desapareceu e o mundo começou a voltar ao normal.
“Que exaustivo…” Ashuna se arrastou e caiu ao lado de Menou. “Eu juro, é sempre assim quando estou com você.”
“Isso não é culpa minha.”
Menou se sentiu insultada pela implicação de que ela era algum tipo de desordeira. Ela era aquela que sempre se envolvia nos problemas que as outras pessoas causavam e tinha que resolvê-los.
Ela fechou os olhos. Então, quem era a fonte de todo esse incômodo? Quando suas pálpebras bloquearam a luz, ela viu Akari na escuridão.
“Mas concordo que foi exaustivo.”
Ela sentiu sua consciência se esvaindo.
Eu devo voltar, ela pensou. Alguém está esperando por mim. Logo antes de apagar completamente, ela pensou ter ouvido uma voz. Não a de Ashuna—de outra pessoa. Menou não conseguiu descobrir de quem era antes de sua mente adormecer.
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