Responsive Ads




Capítulo 5: Fugindo da Realidade




Os dias da Yuki passaram a se fundir em uma única massa indistinta de horas e minutos, cada um deles dedicado a rotinas que ela havia desenvolvido em seu autoexílio. No início, havia um certo alívio em se afastar do mundo exterior, uma sensação de paz na repetição monótona de suas tarefas diárias. Mas, com o tempo, essa paz começou a se transformar em uma sombra opressora.

| Yuki | [Aqui estou novamente, sentada diante desta tela…] — Yuki murmurava para si mesma, os olhos fixos na tela do computador, que já se tornou sua única janela para o mundo.

Ela se levantava às mesmas horas todos os dias, não por necessidade, mas por costume. Acordava, lavava o rosto, comia algo rápido e retornava para o pequeno quarto que agora funciona como seu escritório, refúgio e prisão. O brilho da tela iluminava seu rosto pálido, refletindo os mundos de fantasia que ela se permitia viver apenas em sua mente.
O isolamento parecia um bálsamo no início. Sem ninguém para julgar suas decisões, sem o peso de expectativas sociais ou o medo de ser traída por aqueles que deveriam ser seus colegas. Yuki sentia que, naquele pequeno espaço, estava a salvo. Contudo, à medida que o tempo passava, as paredes daquele refúgio começaram a se fechar sobre ela.

| Yuki | [Se eu pudesse simplesmente… desaparecer para algum desses mundos…]

O tempo parecia se mover de maneira diferente dentro de sua reclusão. Dias se transformavam em semanas e, eventualmente, em meses. Ela via o calendário mudar, mas isso não fazia diferença. Os dias especiais que costumavam ser celebrados com alegria passaram a ser marcados apenas como mais um dia. O brilho de esperança e ambição que antes iluminava seus olhos agora foi substituído por uma apatia cansada.
Yuki passava horas navegando na internet, devorando tudo o que pudesse sobre mundos de fantasia, sobre temas de pesquisas que ela adorava fazer no passado, sobre teses e obras científicas. Essas histórias de heróis, batalhas épicas e aventuras perigosas eram seu único alívio. Ela ansiava pela força, pela coragem e pela liberdade que esses personagens tinham. Uma parte dela desejava poder ser transportada para esses mundos, onde pudesse começar de novo, onde a vida não fosse tão complexa e dolorosa, onde ninguém a conhecia.

Mas a realidade é inescapável.

| Yuki | [Eu queria ser como eles… Livres para explorar, para ser alguém diferente…] — ela suspirava, sentindo o peso da realidade apertar seu peito.

A comida tornou-se uma necessidade básica que ela raramente apreciava. As refeições eram rápidas, consumidas em silêncio, sem sabor ou prazer. Sua única companhia era o ruído suave do ventilador e o zumbido eletrônico de seus dispositivos.
As poucas vezes que saía de casa eram para fazer compras ou resolver algo urgente, mas até essas tarefas eram realizadas com uma pressa desesperada, como se o mundo lá fora fosse um inimigo à espreita, esperando para atacá-la a qualquer momento.
A vida havia se tornado uma sequência de ações repetitivas, sem propósito ou direção. O brilho de outrora em sua alma havia se apagado, substituído por uma aceitação entorpecida de sua nova realidade. A solidão, que antes era um escudo, agora é um fardo insuportável.


Certa noite, enquanto o silêncio do quarto se tornava ensurdecedor, Yuki finalmente reconheceu o vazio que crescia dentro de si. As histórias que a entretinham já não tinham o mesmo brilho, e o isolamento que a protegia agora a sufocava. Era como se algo dentro dela estivesse morrendo lentamente, se desfazendo no abismo da reclusão.

| Yuki | [Eu não sei por quanto tempo mais posso continuar assim…]

Ela sabia que algo precisava mudar, mas a ideia de enfrentar o mundo novamente a aterrorizava. O medo de ser magoada, de falhar mais uma vez, de reviver a dor do passado, tudo isso a paralisava. Contudo, uma parte de sua mente, aquela que se recusava a desistir completamente, começava a sussurrar que talvez, só talvez, houvesse uma maneira de recuperar a luz que havia perdido.
Yuki não sabia se estava pronta para enfrentar seus demônios, mas algo dentro dela estava começando a se agitar, uma pequena centelha que se recusava a desistir, enterrada profundamente.


***



O som do alarme despertou a Yuki, como fazia todas as manhãs. Ela desligou o dispositivo, permanecendo deitada na cama por alguns minutos, encarando o teto. Havia um peso em seu peito, um incômodo constante que a acompanhava todos os dias. Hoje, porém, havia uma tarefa inescapável que precisava ser cumprida: suas provisões estavam acabando, e ela precisava sair de casa para comprar comida.

| Yuki | [Só vai ser uma rápida ida à loja... Eu consigo fazer isso]

Yuki levantou-se lentamente, se arrastando até o banheiro para se preparar. A simples ideia de sair de casa era suficiente para que sua ansiedade começasse a crescer. Ela lavou o rosto com água fria, na tentativa de espantar o medo que começava a dominar seus pensamentos. Ela se olhou no espelho, notando como seu reflexo parecia distante, quase como se estivesse olhando para outra pessoa.

| Yuki | [É só uma loja... Ninguém vai prestar atenção em mim]

Yuki se vestiu de forma simples e prática, optando por um casaco grande que quase escondia seu corpo inteiro. O capuz foi puxado sobre a cabeça, criando uma barreira invisível entre ela e o mundo exterior. A chave girou na fechadura, e a porta se abriu com um rangido suave. O ar fresco da manhã a recebeu, trazendo uma lufada de sensações que há muito tempo ela não experimentava.

| Yuki | [Só até a loja... só até a loja...]

Ela começou a caminhar em direção à pequena mercearia na esquina de sua rua. O som de carros passando e pessoas conversando parecia mais alto do que nunca, cada ruído um lembrete da presença de outros seres humanos ao seu redor. O mundo parecia vibrar com vida, uma vida da qual a Yuki se sentia cada vez mais desconectada.
Quando chegou à esquina, avistou um grupo de pessoas conversando animadamente do outro lado da rua. O riso deles soava alto em seus ouvidos, e, por um breve momento, ela congelou. A sensação de ser observada a envolveu, como se aqueles estranhos estivessem rindo dela, julgando-a, tal como seus ex-colegas no laboratório haviam feito.

| Yuki | [Eles estão... falando de mim?] — o pensamento a golpeou como uma lâmina, fazendo seu estômago revirar. Ela sabe que é irracional, mas a sensação era esmagadora.
| Yuki | [Por que eles não param de me olhar?]

Ela se apertou ainda mais em seu casaco, como se pudesse desaparecer dentro dele. O simples ato de atravessar a rua parecia impossível agora. Os risos e vozes continuavam, cada som se transformando em um sussurro acusatório, como se os fantasmas do seu passado tivessem se materializado diante dela.

| Yuki | [Eu... não consigo... não consigo fazer isso...]

Seu corpo começou a tremer levemente, a respiração ficando mais rápida e superficial. Os olhares imaginários a perfuravam, tornando-se insuportáveis. Sua mente a transportou de volta para o corredor do laboratório, onde sussurros e risos maliciosos pareciam segui-la a cada passo. A mesma sensação de sufocamento, a mesma paralisia tomou conta dela.

| Yuki | [Tenho que sair daqui!]

Ela deu meia-volta, quase correndo de volta para a segurança do seu apartamento. Suas mãos trêmulas lutavam para destrancar a porta, e quando finalmente conseguiu entrar, a fechou com força, apoiando-se nela enquanto tentava recuperar o fôlego.

| Yuki | [Não... Eu não posso fazer isso. Eu não sou forte o suficiente...]

Yuki deslizou pela porta até o chão, os joelhos dobrados contra o peito enquanto enterrava o rosto nas mãos. O medo, o pânico, a sensação de que o mundo lá fora era hostil e perigoso, tudo isso a envolvia como uma sombra densa, tornando difícil até mesmo respirar. Lágrimas silenciosas desceram pelo seu rosto, enquanto a realidade de sua situação se tornava clara. Ela estava presa, não apenas em seu apartamento, mas em sua própria mente.

| Yuki | [Por que eu sou assim...? Por que tudo me assusta tanto...?]

Horas se passaram, e a Yuki continuou naquele mesmo lugar, perdida em pensamentos sombrios e no desespero que não parecia ter fim. Eventualmente, ela se levantou, movida por uma apatia pesada, e voltou para seu computador, onde a luz fria da tela oferecia uma distração temporária de seus demônios internos. Ela se lançou em jogos, séries e vídeos, qualquer coisa que pudesse afastar a realidade, mesmo que por apenas alguns instantes.

| Yuki | [Aqui, ninguém pode me machucar. Aqui, eu estou segura]

O mundo virtual se tornava cada vez mais seu único refúgio, um lugar onde ela podia ser qualquer coisa, exceto quem ela realmente é. Fugir da realidade parecia ser a única solução, mesmo que ela soubesse, no fundo, que isso não era sustentável. Mas, naquele momento, é tudo o que ela tem.


***



A luz suave do entardecer entrava pelas cortinas fechadas do apartamento da Yuki, tingindo o ambiente com um tom alaranjado. Ela estava sentada em sua cadeira, olhando para a tela do computador, mas sem realmente ver o que estava à sua frente. Depois do episódio na rua, havia evitado qualquer tentativa de sair de casa. A segurança do ambiente familiar era o que a mantinha ancorada, mas ao mesmo tempo, sentia-se sufocada, como se as paredes estivessem lentamente se fechando ao seu redor.

| Yuki | [O que aconteceu comigo...?]

Ela se perguntou pela enésima vez, as palavras ecoando no vazio do apartamento. Sua mente voltou no tempo, revivendo os dias em que trabalhava no laboratório. O brilho nos olhos de seus colegas quando falavam sobre suas descobertas, o entusiasmo que ela mesma sentia ao estar na vanguarda da pesquisa, tudo isso parecia pertencer a uma outra vida, uma que ela quase não reconhece mais.

| Yuki | [Eu era feliz... não era?]

A dúvida em sua voz refletia a confusão em sua mente. Ela se lembrava do orgulho que sentia ao ver seu trabalho reconhecido, das noites em claro dedicadas a resolver problemas complexos, da sensação de que estava contribuindo para algo maior que ela mesma. Mas esses momentos eram agora sombras pálidas, eclipsadas pelas lembranças dolorosas das críticas, das intrigas, e da sensação de isolamento que a consumiu.

| Yuki | [Quando foi que tudo começou a dar errado?]

Yuki se levantou da cadeira, começando a andar pelo apartamento em círculos lentos. Cada objeto ao seu redor parecia carregar um peso, uma lembrança de quem ela foi e de quem se tornou. Livros técnicos, papéis rabiscados com anotações, fotografias de tempos mais simples, tudo agora parece uma relíquia de um passado distante. Ela parou em frente a uma prateleira, olhando para uma foto em particular: ela, sorrindo ao lado de alguns colegas, segurando um certificado de reconhecimento.

| Yuki | [Eu me lembro desse dia... Estava tão feliz...]

O sorriso na foto parecia estranho agora, quase irreal. Como se a pessoa naquela imagem não fosse ela, mas uma estranha que ocupava seu corpo. Yuki se sentia como uma observadora da própria vida, desconectada de tudo o que um dia lhe trouxe alegria. O peso da solidão era quase tangível, uma presença constante em sua vida.

| Yuki | [Por que eu não consigo voltar a ser aquela pessoa?]

Ela sabia que não era apenas o trabalho que a havia mudado, mas algo mais profundo, algo que estava enraizado em suas próprias inseguranças. As críticas e o ambiente tóxico do laboratório haviam apenas amplificado o que já estava dentro dela. A cada fracasso, a cada palavra dura, Yuki se retraía mais, se afastava das pessoas ao seu redor, até que se isolou completamente.

| Yuki | [Eu... Eu não pertenço a lugar nenhum]

Ela se jogou no sofá, abraçando uma almofada, tentando encontrar algum conforto físico que amenizasse a dor emocional. A sensação de vazio dentro de si era avassaladora. Mesmo as distrações que encontrava no mundo virtual já não tinham o mesmo efeito de antes. Havia um buraco em sua alma que nada parecia capaz de preencher.

| Yuki | [Eu queria... desaparecer]

Essas palavras saíram de seus lábios antes que ela pudesse controlá-las, e elas a atingiram com uma intensidade inesperada. Era a primeira vez que admitia isso em voz alta, e isso a assustou. A ideia de simplesmente desaparecer, de não ter que lidar com a dor, a ansiedade, a solidão, parecia estranhamente tentadora. Foi então que ela pousou os olhos sobre a pia da cozinha, onde uma faca estava guardada em um pedestal. Um onda de ansiedade tomou conta de seu corpo e ela correu até esta faca e a segurou firme com a mão direita. Ela encarou o pulso da mão esquerda, seu coração batia forte e sua respiração era irregular. sua indecisão durou apenas um segundo e ela baixou a faca com toda a força... apenas para parar pouco antes e então largar a faca na pia.
Yuki levou as mãos ao rosto e começou a chorar enquanto se abaixava no chão fio da cozinha.

| Yuki | [Eu... não tenho coragem nem de... acabar com tudo]

Ela sabia que não era uma solução, mas sim uma fuga. E fugir era tudo o que vinha fazendo nos últimos dois anos. Fugindo dos outros, de si mesma, da realidade. Mas cada vez que fugia, a dor só crescia, se enraizando mais profundamente dentro dela. Yuki fechou os olhos, sentindo as lágrimas se acumularem mais e mais.

| Yuki | [O que mais eu posso fazer agora... alguém me ajude... por favor...]

Yuki então aperta firme as mãos em volta dos joelhos e continua chorando pelo que pareceram horas. Nem percebendo que sua consciência havia desvanecido lentamente...

Responsive Ads
Achou um erro? Reporte agora
Comentários

Comentários

Mostrar Comentários